sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011


VII
Saudades

Leva este ramo, Pepita,
De saudades portuguesas;
É flor nossa; e tão bonita
Não na há noutras devesas.
Seu perfume não seduz,
Não tem variado matiz,
Vive à sombra, foge à luz,
As glórias d’amor não diz;
Mas na modesta beleza
De sua melancolia
É tão suave a tristeza,
Inspira tal simpatia!...
E tem um dote esta flor
Que de outra igual se não diz:
Não perde viço ou frescor
Quando a tiram da raiz.
Antes mais e mais floresce
Com tudo o que as outras mata;
Até às vezes mais cresce
Na terra que é mais ingrata.
Só tem um cruel senão,
Que te não devo esconder:
Plantada no coração,
Toda outra flor faz morrer.
E, se o quebra e despedaça
Com as raízes mofinas,
Mais ela tem brilho e graça,
É como a flor das ruínas.
Não, Pepita, não ta dou...
Fiz mal em dar-te essa flor,
Que eu sei o que me custou
Tratá-la com tanto amor.


(Folhas Caídas)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Almeida Garrett: um poeta romântico à frente do seu tempo

Este ensaio abordará questões em torno do tema: Almeida Garrett: um poeta romântico à frente do seu tempo

Aureni Teixeira*
                Márcia Borges e
     Ueloine Miranda

Almeida Garrett é considerado iniciador do Romantismo, refundador do teatro português, criador do lirismo e da prosa moderna, além de ter sido jornalista, político e legislador. É por todos esses aspectos que muitos autores afirmam ser ele o escritor mais completo do século XIX, deixando obras-primas no que tange à poesia, ao teatro e à prosa, sempre com uma escrita inovadora em todos estes gêneros literários.
João Baptista da Silva Leitão, que mais tarde passaria a ser chamado Almeida Garrett, nasceu em Porto, no ano de 1799; neste local, viveu seus anos de infância em meio a burguesia. Passa a morar em Açores, ao completar dez anos, iniciando sua formação literária com a ajuda do tio Frei Alexandre da Sagrada família, bispo de Angra. No ano de 1816, segue seus estudos de Leis na Universidade de Coimbra, que seriam de grande importância para sua iniciação política e filosófica. Surgia então, a vocação literária, e já no ano seguinte escreveu seu primeiro livro, O Retrato de Vénus, um poema considerado ousado, que o fez merecer um processo em tribunal.
Na conturbação daqueles tempos, a vida do escritor, já casado, vai de encontro com o Liberalismo.  Porém, veio o poder da facção conservadora, e, Garrett foi obrigado a sair do país em 1823-1926. Mesma situação se repetia algum tempo mais tarde, em 1828-1831. O exílio na França e na Inglaterra fez com que conhecesse o movimento cultural europeu. Essa experiência resultou na publicação, em Paris, dos poemas Camões e Dona Branca, os primeiros textos românticos portugueses.
De volta a Portugal, em 1832, como integrante da expedição de D. Pedro, vive um momento heroico se incorporando no Batalhão Acadêmico. Sendo deputado, ainda participa do programa de educação cultural setembrista; funda O Entreacto – Jornal de Teatros e leva à cena, com excelentes resultados, a peça Um Auto de Gil Vicente, se afastando da vida pública em 1847. Assim, algumas obras são publicadas, o que tem de mais fecundo na criação literária garrettiana: O Alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, Viagens na Minha Terra e O Arco de Sant’Ana. Volta ao Parlamento em 1851; alguns gestos de consagração lhe são atribuídos, torna-se visconde e é nomeado Par do Reino. Depois de uma vida sentimental conturbada, falece em 1854, vítima de câncer, em Lisboa.
Camões, o poema de Almeida Garrett, publicado em 1825, deu início ao Romantismo de Portugal, devido a problemas do exílio de Garrett na Inglaterra gerada pelos conflitos ocorridos na Revolução Francesa, pelas causas liberais que Garrett defendia e, também pela política totalmente desordenada. E só em 1836, é que este movimento estético chamado Romantismo se destacou, pois a batalha entre liberais e absolutistas havia terminado.
A poesia lírica e narrativa marcaria a primeira fase da sua carreira, oscilando ainda entre a lição do neoclassicismo convencional e a nova corrente romântica, inspirada no nacionalismo.
No poema Seus olhos o poeta traz um conflito de sentimentos que de alguma forma é causado pelo amor que é visto na lírica romântica como: amar é viver e também morrer. O “eu” lírico vive este momento de descoberta, pois a mulher amada através dos seus olhos lhe despertou esse sentimento, que para ele é muito comovente e acolhedor:

Seus olhos - que eu sei pintar
O que os meus olhos cegou –
Não tinham luz de brilhar,
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.

Nota-se que o poema é “romântico” trata do amor, o eu lírico (o sujeito que fala no poema) afirma que, no momento em que pôs os seus olhos nos olhos da amada, começou a viver. Porém, a mesma estrofe passa outra interpretação; a nosso ver traz a mensagem de paixão, que cega, que desnorteia que faz mal, que anula.
No pensar de Garrett, os novos leitores ansiavam por assuntos sentimentais e que focassem as tradições e as utopias nacionais, que haviam sido postas de lado pela cultura clássica; ou seja, temas que arrumavam as faces do Romantismo. E, ainda para Garrett a função do escritor é comunicar ao povo o valor dos ideais, a verdade e a finalidade por meio de suas obras com questão sinóptica, cívica e emotiva, assim se deu o princípio do movimento romântico.
De acordo com José Veríssimo, A vivência sentimental de Garrett foi muito angustiada, principalmente, em se tratando do seu romance com a Viscondessa da Luz, que embora sendo casada era a mulher que de fato ele amava. Isso se torna notável em seus poemas Este inferno de amor e O anjo Caído. Garrett narra um ato, que permite deduzir que tinha de fato, um relacionamento com a Viscondessa; frustrações e conflitos amorosos são realmente retratados em seus poemas e podem ter sido frutos do seu envolvimento emocional.
Segundo Elder Macedo (1999), o escritor Almeida Garrett foi o fundador do romantismo português e, certamente sendo conhecedor das características principais do Romantismo europeu é evidente que ele fez em português e em Portugal o que outros românticos também fizeram em sua língua e seus países, desde a afirmação da consciência individual até a adoção de causas sociais progressivas da recuperação de traduções nacionais, assim como a procura experimental de novas articulações estéticas. Portanto, para caracterizar o seu romantismo como o mais romântico, deveriam comparar com o que outros considerados como românticos fizeram antes, assim, iriam descobrir o que há de afinidades, de inter- relação.
Dessa forma, percebe-se que o crítico Macedo faz um julgamento em relação ao método literário de Almeida Garrett na situação do Romantismo europeu. E ainda, em seu relato ele afirma que tanto na obra quanto no Romantismo existe enigma de classificação literária, ou seja, faz uma critica ao modo como Garrett trata a literatura do romantismo e cita como referências as obras Viagens na minha terra, Frei Luís de Souza e Cascais, todas para o mesmo, fazem parte de uma discussão acerca da política de Portugal e não de uma história romântica.  
Em Folhas Caídas se observa uma poesia confessional, um misto de sinceridade e fingimento, exibicionismo e horror de si mesmo, euforia erótica e desengano. O autor sempre recorre aos termos “rosa” e “luz” revelando que os poemas têm a ver com a envolvente paixão do autor pela Viscondessa da Luz, Rosa de Montúfar. A obra pode ser considerada como documento humano, tanto pela sinceridade nela presente quanto pela perfeição estética de certos versos repletos de leveza:

Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via;
[...]
Essa imagem fugidia
Que nunca pude alcançar.
[...]
Um raio de estrela incerto
No imenso firmamento,
Uma quimera, um vão sonho,
Eu sonhava - mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dor, não na conhecia...
.............................................
(“Quando eu sonhava”)

Essa parte dos poemas pode retratar como se sentia o poeta antes de ter em seus braços sua amante Viscondessa da Luz, mostra ainda, o quanto a desejava e admirava.
O Romantismo em seu início foi visto só como uma atitude, um estado de espírito, depois de um longo tempo como um movimento e o espírito romântico passa a mencionar toda uma visão de mundo localizado no sujeito passando assim, a ser um exemplo fantasioso de vida, amor, arte e literatura:

Mais do que ‘arte pela arte’ ou ’literatura engajada’, a função da arte literária (termo que designa obra de ficção) é ser doce e útil (conforme Roland Barthes), e assim o estabelece Garrett em sua obra. Doce ao significar a beleza, a estética, o prazer. Útil referindo se ao seu alcance psicológico e social, sua capacidade de transformar primeiramente a mente humana, sensibilizando-a; em seguida, contrapondo essa sensibilidade à realidade, aos quais têm o homem o poder de mudar; a literatura seria assim aquela que mune o homem de ferramentas para a mudança (NETO, 2004).

Diante disso, percebe-se que Almeida Garrett faz uma literatura voltada para leitores críticos dos tempos modernos, passando a decepcionar os tradicionais.
A literatura Garrettiana não pode se fazer abstraída do contexto político e cultural que a motivou. Da mesma conjuntura vem a orientação ‘iluminista’ e eticamente desenvolvida que desde o início da sua vida literária revestiu, compreendendo que o poeta é além de tudo um cidadão.
Deste modo, O escritor Almeida Garrett, grande apreciador dos “prazeres mundanos”, amante apaixonado, agiu sempre ilustre na vida, em tudo o que fez e conquistou, nos deixou um imenso legado, provando que aquilo que construiu culminou num excelente resultado. Suas obras são marcadas pela expressividade e pensamento inovador, haja vista que o autor soube driblar o conservadorismo da época, mostrando um novo modo de enxergar aquilo que a sociedade era e acreditava.

























* Graduandas do IV semestre do Curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia, DCHT XXIV, Xique-Xique – BA.

REFERÊNCIAS

GARRETT, Almeida. Folhas Caídas. Introdução por Maria Ema Tarracha Ferreira. Lisboa: Biblioteca Ulisséia de Autores Portugueses, 1991.

MACEDO, Elder. Almeida Garrett e as ambiguidades do Romantismo. in: Scripta, Belo Horizonte, 1999.

MONTEIRO, Ofélia; SANTANA, Mª Helena. (Org.). Almeida Garrett: um romântico, um moderno, 2 vols. Lisboa, Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 2003.

NETO, João Evangelista do Nascimento. Viagens na minha terra e o papel da arte literária. Feira de Santana: Tribuna Cultural, 2004.

Almeida Garrett. Disponível em: <http://leonorleaofeioleituras.blogspot.com/2010/10/almeida-garrett.html> Acesso em: 26/01/11 às 16h e 40 min.

Figuras da cultura portuguesa. Disponível em: <cvc.instituto-camoes.pt/figuras/agarrett.html> Acesso em: 28/01/11 às 10h e 23 min.



sábado, 18 de dezembro de 2010


 Este inferno de amar

Este inferno de amar - como eu amo!
Quem mo pôs aqui n'alma... Quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei não me lembro: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... Dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? Eu que fiz? - não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei.
                                                  
                                                       Almeida Garrett

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A cronologia da vida de Almeida Garrett:



1799 Almeida Garrett nasce no Porto.
1809 Parte para a ilha Terceira por causa das invasões francesas. Aí recebe de um tio, bispo de Angra do Heroísmo, uma educação religiosa e clássica.
1816 Matricula-se no curso de Direito em Coimbra. Adere às ideias liberais e começa a escrever algumas peças de teatro.
1820 Escreve a tragédia Catão, representada em Lisboa no ano seguinte.
1821 Já formado, casa com Luísa Midosi e publica o Retrato de Vénus, que lhe valeu um processo judicial e um julgamento de que foi absolvido.
1823 Com a Vila-Francada, exila-se na Inglaterra, onde contacta com a literatura romântica (Byron e Walter Scott).
1824 Parte para o Havre, em França, como correspondente.
1825 Publica em Paris Camões.
1826 Publica ainda em Paris D. Branca. Regressa a Portugal após a outorga da Carta Constitucional, dedicando-se ao jornalismo político.
1828 Exila-se de novo em Inglaterra devido à aclamação de D. Miguel.
1830 Inicia a compilação do Romanceiro.
1832 Integra-se no exército liberal de D. Pedro IV, desembarca no Mindelo e participa no cerco do Porto, escrevendo aí a primeira pare do Arco de Santana.
1834 Após a guerra civil, Almeida Garrett é nomeado cônsul geral em Bruxelas. Estuda a língua e a literatura alemãs (Herder, Schiller e Goethe).
1836 Regressa a Portugal e separa-se de Luísa Midosi, que em Bruxelas o teria traído. Passos Manuel encarrega-o de reorganizar o teatro nacional, nomeando-o inspector dos teatros.
1837 Perde o cargo de inspector dos teatros por demissão de Passos Manuel. Apaixona-se por Adelaide Deville, que morrerá em 1841 e de quem terá uma filha, Maria Adelaide.
1838 Publica Um Auto de Gil Vicente.
1841 Publica O Alfageme de Santarém.
1842 Costa Cabral instaura um governo de ditadura, contra o qual Garrett luta na oposição parlamentar.
1843 Escreve o drama Frei Luís de Sousa que será publicado no ano seguinte. Começa também a escrever o romance Viagens na Minha Terra, que publica em folhetins na Revista Universal Lisbonense.
1845 Publica o romance Arco de Santana e a colectânea de poemas Flores sem Fruto. Inicia-se a paixão por Rosa Montufar, a Viscondessa da Luz.
1846 É publicado em dois volumes o romance Viagens na Minha Terra.
1850 É representado no Teatro Nacional o drama Frei Luís de Sousa.
1851 É nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros e recebe o título de Visconde e Par do reino. Conclui a compilação do Romanceiro.
1853 Publica Folhas Caídas, colectânea poética que causou escândalo na época.
1854 Almeida Garrett morre a 9 de Dezembro em Lisboa.

Você sabia?


Você sabia?
Que Almeida Garrett, embora tenha se dedicado a vários gêneros literários, foi na poesia e no teatro que mais ganhou destaque. Suas obras “Camões” e “Frei Luis de Sousa” ganharam grande importância no mundo literário.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Poema



Não te Amo


Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma. 
      E eu n’alma - tenho a calma, 
      A calma - do jazigo. 
      Ai! não te amo, não. 

Não te amo, quero-te: o amor é vida. 
      E a vida - nem sentida 
      A trago eu já comigo. 
      Ai, não te amo, não! 

Ai! não te amo, não; e só te quero 
      De um querer bruto e fero 
      Que o sangue me devora, 
      Não chega ao coração. 

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. 
      Quem ama a aziaga estrela 
      Que lhe luz na má hora 
      Da sua perdição? 

E quero-te, e não te amo, que é forçado, 
      De mau, feitiço azado 
      Este indigno furor. 
      Mas oh! não te amo, não. 

E infame sou, porque te quero; e tanto 
      Que de mim tenho espanto, 
      De ti medo e terror... 
      Mas amar!... não te amo, não. 

Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'